Garota
escreveu que “A casa-grande surta quando a senzala vira médica”
Desprezada pelo
pai, negra, pobre, aluna de escola pública, filha de uma atendente de caixa. A
trajetória de vida não combina com o primeiro lugar em Medicina na Fuvest, de
São Paulo, um dos vestibulares mais difíceis do Brasil.
Mas é o que
aconteceu: Bruna Sena, 17 anos, é a primeira colocada de um dos concursos mais
complicados dos país.
Sua colocação foi
comemorada com uma frase que estava entalada na garganta da jovem: “A
casa-grande surta quando a senzala vira médica”.
A referência ao
clássico livro de sociologia do Brasil revela uma jovem que sofreu muito. Para
a “Folha de S. Paulo”, a mãe revelou toda ordem de sofrimento.
Dinália Sena, 50,
conta que a filha lutava com os livros e enfrentava as dificuldades, como a
matemática, “morta” nas aulas de Kumon.
A mãe diz que
chegou em casa um dia e viu um livro destinado para a garota. “Uma vez, essa
amiga colocou R$ 10 dentro de um livro para comprarmos comida e escreveu:
‘Bruna, vence a vida. Não deixe que a vida te vença, estude”.
A adolescente mora
na periferia e reconhece todas as dificuldades enfrentadas pela mãe: moram
juntas em um conjunto habitacional e só pensa agora em se preparar para ser uma
das melhores alunas de medicina do país.
Jovem antenada,
milita nas causas contra o racismo e movimento feminista, diz que a hora é de
comemorar a vitória no vestibular com a concorrência de 75,58 candidatos por
vaga. Ela reconhece que a bolsa em um cursinho particular na reta final mudou
todo o resultado
“Minha mãe ralou
muito para que eu tivesse esse resultado e preciso honrar isso. Sou grata
também a minha escola, ao cursinho. Do meu pai, nunca entendi o desprezo, me
incomoda um pouco, mas agora é hora de comemorar e ser feliz.”
A família (fora o
pai) ajudou a garota no que podia, mas ela é que fez o esforço final. “Tudo na
nossa vida foi com muita luta, desde que ela nasceu, prematura de sete meses, e
teve de ficar internada por 28 dias. Não tenho nenhum luxo, não faço minhas
unhas, não arrumo meu cabelo. Tudo é para a educação dela”, declara a mãe.
São vitórias como
essa que podem ajudar o Brasil a se reconstruir. A história de Bruna Sena não é
ficção, não é pós-verdade. É mais uma vitória de quem se esforça, mesmo tudo
estando contra.